terça-feira, 16 de julho de 2013

MAGNIFICAT - VISITAÇÃO DE MARIA A ISABEL - MAGNIFICAT



Canto do Magníficat
J.S.Bach - Magnificat BWV 243 - 4min.
Marc-Antoine Carpentier
Magnificat à trois voix - 9min.
Chistoph Graupner - 1683-1760
Magníficat - ut  1722 - 14min.

Visitação de Maria a Isabel: um Magnificat pleno de alegria, fé e delicadeza

«Naqueles dias,
Maria pôs-se a caminho
e dirigiu-se apressadamente para a montanha,
em direcção a uma cidade de Judá.
Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel.
Quando Isabel ouviu a saudação de Maria,
o menino exultou-lhe no seio.
Isabel ficou cheia do Espírito Santo
e exclamou em alta voz:
«Bendita és tu entre as mulheres
e bendito é o fruto do teu ventre.

Donde me é dado
que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor?
Na verdade, logo que chegou aos meus ouvidos
a voz da tua saudação,
o menino exultou de alegria no meu seio.
Bem-aventurada aquela que acreditou
no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito
da parte do Senhor».

Maria disse então:
«A minha alma glorifica o Senhor
e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador.
Porque pôs os olhos na humildade da sua serva:
de hoje em diante me chamarão bem-aventurada todas as gerações.
O Todo-poderoso fez em mim maravilhas,
Santo é o seu nome.
A sua misericórdia se estende de geração em geração
sobre aqueles que O temem.

Imagem 
Jacopo Pontormo

Manifestou o poder do seu braço
e dispersou os soberbos.
Derrubou os poderosos de seus tronos
e exaltou os humildes.
Aos famintos encheu de bens
e aos ricos despediu de mãos vazias.
Acolheu a Israel, seu servo,
lembrado da sua misericórdia,
como tinha prometido a nossos pais,
a Abraão e à sua descendência para sempre».
Maria ficou junto de Isabel cerca de três meses
e depois regressou a sua casa.»

Lucas 1, 39-56 
(Evangelho da Festa da Visitação de Nossa Senhora a Isabel, 31 de maio)

Na cena de Lucas 1,39-56, Maria escuta e reflete. Quando a Mãe rompe o silêncio, vibra de emoção e canta ao seu Senhor. As suas palavras, mais que um canto, são uma exaltação. 

Imagem 
Tintoretto

Pelo Magnificat podemos deduzir que, como nos grandes contemplativos, Deus desperta em Maria um júbilo indescritível. Esse é um dado válido para confirmar a nossa convicção de que a Mãe não só pertence à estirpe dos contemplativos, mas é a coroa e modelo de todos eles.
Maria ficou cerca de três meses com Isabel (Lc 1,56). De que falaram durante esses três meses? Qual foi o assunto central das suas conversas?
Na minha opinião, o Magnificat, talvez também o Benedictus, refletem o fundo dessas conversas, e do intercâmbio das suas impressões.

Imagem 
Marx Reichlich

Falaram da consolação de Israel, das promessas feitas a nossos pais, da misericórdia derramada de geração em geração, desde Abraão até aos nossos dias, da exaltação dos pobres e da queda dos poderosos.

Mais do que falar dos pobres, dos profetas e dos eleitos, falaram principalmente do próprio Senhor, de Deus-Javé. Quando alguém se sente intensamente amado pelo Pai, não consegue falar senão sobre Ele. A Mãe, ao recordar como foi centro de todos os privilégios, desde a imaculada conceição até à maternidade virginal, sentiria uma comoção única, falando do seu Deus e Pai. Diz Resch:
«Jamais se poderia encontrar expressão mais alta de sublimes sentimentos do que os que devem ter animado Maria naquele momento.»

Imagem 
Ubaldo Gandolfi

Todas as emoções que aquelas duas mulheres excecionais sentiram e comunicaram estão refletidas no Magnificat, que não é outra coisa senão um desabafo espiritual, e um resumo das impressões e vivência das duas mulheres.

Deus, o próprio Deus, foi o fundo e o objeto das suas emoções, das suas expansões e das suas expressões, durante esses três meses em Ain Karim.

Todos os exegetas estão de acordo em que emerge, dos sete primeiros capítulos, uma figura feminina de perfis muito específicos: delicada, concentrada e silenciosa.
Por isso mesmo, Harnack achava «surpreendente» que Maria rompesse o seu habitual silêncio e intimidade com um canto exaltado. A isso responde Gechter, com uma explicação psicológica muito plausível:

Imagem 
Rogier van der Weyden

«A sua profunda piedade viu-se envolvida pela grandeza do que Deus tinha feito nela. Não se podia pedir mais que isso para que o caráter silencioso da Virgem transbordasse com um ímpeto jubiloso de palavras. Sendo essa uma ocasião excecional, não há nenhuma contradição com o seu habitual recato e modéstia.»

Naturalmente, não foi apenas uma efusão espiritual, uma comunicação fraterna. Foi mais do que isso. Houve também solicitude e ajuda fraterna. Se o anjo diz a Maria que Isabel está no seu sexto mês, e logo depois dessa comunicação Maria vai para a casa de Isabel, e o Evangelho acrescenta que «Maria ficou cerca de três meses com Isabel», podemos deduzir com toda a naturalidade que a Mãe ficou em Ain Karim até depois do parto de Isabel.

Imagem 
Mariotto Albertinelli

Maria emerge como uma jovem delicada, com grande sentido de serviço fraterno. É fácil imaginar a situação. Isabel está em gravidez adiantada, com eventuais complicações biológicas devido à idade avançada, e tornou-se meio inútil para os trabalhos domésticos. Zacarias estava mudo, «ferido», psicologicamente. Certamente viviam os dois sozinhos. A Mãe foi, para eles, uma bênção caída do céu.

Podemos imaginar Maria, como aparece sempre, atenta e serviçal; podemos imaginá-la nas tarefas domésticas quotidianas: comida, limpeza, lavar e costurar roupas, preparando tudo o que é preciso para um bebé, ajudando Isabel nas suas delicadas tarefas pré-natais, fazendo um pouco de enfermeira e um pouco de parteira – há tarefas privativas do mundo feminino –, consolando Zacarias com a misericórdia do Pai, preocupada, em qualquer momento, com os mil particulares domésticos...
Foi a própria delicadeza em pessoa.

Imagem 
Vittore Carpaccio

Ignacio Larrañaga

 

In O silêncio de Maria - Conhecer de perto, amar melhor,


Constance Demby - Novus Magnificat - 15min.
Jan Dismas Zelenka - 1679-1745
Magnificat  in D major ZWV 108 - 12min.
 Giovanni Battista Sammartini - 1700-1775
Magnificat in B Major - 13min.
Licença padrão do YouTube
http://www.snpcultura.org/visitacao_Maria_Isabel_magnificat.html

PLENITUDE


 Credo; Missa da Coroação- W.A.Mozart - K317 -8 min
Mozart - Missa Solemnisin C "Dominicus" 9min.

A plenitude está na pequenez

«Dobrem-se, joelhos teimosos!»
William Shakespeare


O maior obstáculo à vida espiritual é a tentação de fabricarmos o nosso próprio Deus.
Uma coisa é conhecer os meus dons e cultivá-los. E outra, bem diferente, é presumir que os possuo todos. O desenvolvimento dos nossos próprios dons é uma tarefa do ser dotado. Foram-nos dados talentos naturais para que os desenvolvamos em favor dos outros. Cada um de nós recebeu qualquer coisa que se destina a tornar o mundo melhor para todos. Cozinhamos, cantamos, ensinamos e escrevemos, limpamos e organizamos de tantas maneiras "incomumente" comuns. Cada um de nós tem qualquer coisa que o resto do humanidade precisa.

Estou aqui para dar os meus dons ao mundo, para me comprazer nos dons que Deus me deu, sim, mas só se for para o bem dos outros. Cada um de nós é apenas um elo na cadeia que deve trazer toda a humanidade, e tudo na Criação, à plenitude. Aquilo que eu sou e tenho devo dá-lo ousadamente, completamente, para o bem do mundo. Se não reconhecer os meus dons, se não os desenvolver, não posso, de forma nenhuma, cumprir em mim o propósito pelo qual fui criada.

Ao mesmo tempo, é inteiramente destrutivo – acima de tudo, para mim própria – presumir que, pelo facto de eu ter um dom, tenho todos os dons, e que os demais não têm dom nenhum. Que o meu dom ultrapassa todos os outros, que me dá direitos que os outros não têm, que me autoriza a viver acima e para além do resto da raça humana. Isso é duma terrível arrogância. Destrói todos os nossos relacionamentos, quer humanos, quer divinos. 

A arrogância corrói a nossa consciência do poder da interdependência e deixa-nos a morrer incompletos. Reduz a pó a criação dos outros. Até nos impossibilita de ver as nossas necessidades.
Sem capacidade de «dobrar os nossos joelhos teimosos » perante aqueles que são igualmente dotados, perdemos também a capacidade de dobrar os nossos joelhos perante o Criador, que fez de nós, de cada um de nós, um dos feixes de luz brilhante da beleza divina que, juntamente com todos os outros, reflete o esplendor que enche o mundo.

É a nossa necessidade uns dos outros que nos mostra a necessidade que temos de Deus. É a nossa profunda incompletude que grita todos os dias das nossas vidas para ser completada – pelos que nos rodeiam e por Deus.

Temos de rezar pela humildade, tão necessária para encontrar a nossa plenitude na nossa pequenez.

Joan Chittister
In O sopro da vida interior, ed. Paulinas
16.07.13



 Foto
Fontes:
 http://www.snpcultura.org/a_plenitude_esta_na_pequenez.html

quinta-feira, 4 de julho de 2013

CANTO DA MELANCOLIA - NIETZSCHE - Viviane Mosé


Especial Nietzsche - Viviane Mosé -42m

Poema de Nietzsche no Zaratustra
  “Canto da melancolia" , quarta parte

Com o ar privado de luz,
Quando já do rócio o consolo
Escorre para a terra,
Invisível, inaudível também –
Pois leve calçado traz,
Como toda a suavidade que alivia, o rócio consolador –
Lembras-te, então, lembras-te, coração ardente,
Como, outrora, estavas sequioso
De lágrimas celestes e gotas de orvalho?

Crestado e cansado, andavas sedento,
Enquanto, por amarelos carreiros na erva,
Maldosamente, os olhares do sol vesperal,
Passando entre árvores negras, à tua volta corriam,
Embraseados olhares do Sol, ofuscantes malignos.

Pretendente à verdade? Tu? – escarneciam –
Não! Apenas um poeta!

Um animal, e astuto, rapinante, furtivo,
Que tem de mentir,
Que tem, ciente e voluntariamente, de mentir:
Cobiçando a presa,
Mascarado de várias cores,
Mácara para si próprio,
Para si próprio presa…

Isto, o pretendente à verdade?
Não! Apenas louco! Apenas poeta!
Proferindo só discursos confusos,
Gritando desordenadamente por detrás de máscaras de bobo,
Andando por cima de mentirosas pontes de palavras,
Por cima de arco-íris multicolores,
Entre falsos céus e falsas terras,
Vagueando, pairando por aí…

Apenas louco! Apenas poeta!
Isto, o pretendente à verdade?
Nem imóvel, rígido, liso, frio,
Feito estátua,
Tornado num pilar de Deus,
Nem erguido diante de templos,
Qual guarda-portão de um deus…

Não! Hostil a essas estátuas da verdade,
Mais à vontade em qualquer deserto que diante de templos,
Com a travessura dos gatos,
Saltando por qualquer janela –
Depressa! – para qualquer casualidade,
Farejando toda a floresta virgem,
Farejando obssessiva e ansiosamente,
Para que nas selvas,
Entre feras sarapintadas,
Corresses pecaminosamente sadio, variegado e belo,
Com beiços ávidos,
Venturosamente escarninho, infernal e sanguinário,
Andasses rapinando, insidioso, falso…

Ou, tal como a águia, que longa,
Longamente, crava os olhos nos abismos,
Nos seus abismos…

Oh! como elas descem,
Lá para baixo, lá para dentro,
Enroscando-se em profundezas cada vez mais fundas!

Depois,
Subitamente, sempre a direito,
Num vôo tenso,
Atiram-se aos cordeiros,
Caindo bruscamente, famintas,
Ávidas de cordeiros,
Hostis a todas as almas de anho,
Envaidecidas contra tudo o que pareça
Ovino, com olhos de cordeiro, com lã encaracolada,
Pardo, com a benevolênca do borrego e da ovelha!

Assim,
Próprios de águia, próprios de pantera,
Sã os anelos do poeta,
São os teus anelos sob mil máscaras,
Ó louco! Ó poeta!

Tu, que viste o homem,
Tanto deus como carneiro,
Despedaçar o deus no homem
Tal como o carneiro no homem
E rir, despedaçando-os…

Essa, essa é que é a tua felicidade!
A felicidade duma pantera e duma águia!
A felicidade dum poeta e dum louco!

Com o ar privado de luz,
Quando já da Lua o crescente,
Verde entre vermelhos pupúreos
E invejosos, entra furtivamente,
Adverso ao dia,
A cada passo, secretamente
As cortinas de roseira ceifando
Até que caiam,
E sumam, pálidas, pela noite abaixo.

Assim eu proprio caí, outrora,
Do meu delírio de verdade,
Dos meus anelos diurnos,
Cansado do dia, doente da luz,
Caí para o fundo, para a noite, para a sombra,
Por uma só verdade queimando
E só dela sequioso:
Ainda te lembras, coração ardente, lembras-te
Como, então, tinhas sede?

Que eu seja desterrado
De toda a verdade,
Apenas louco!
Apenas poeta!

NIETZCHE, F. W. “Canto da melancolia, 
quarta parte, item 3″ In: Assim falou Zaratustra
. Tradução Paulo Osório de Castro.
 Lisboa: Relógo D’água, 1998, p. 349-352. 
Postado por Fabio Rocha, para A Magia da Poesia.

Especial Nietzsche - Viviane Mosé - Café Filosófico (Exibido dia 29.03.2009).avi


O filósofo alemão Nietzsche viveu de 1844 a 1900. Mesmo assim foi capaz de antecipar algumas questões que marcaram a vida e o pensamento dos séculos XX e XXI. Hoje, Nietzsche ainda desperta um grande interesse, tanto no meio acadêmico como fora dele. Mas por que as idéias deste filósofo continuam tão atuais? Para responder esta questão, a filósofa Viviane Mose apresenta alguns dos principais temas da filosofia de Nietzsche e nos mostram os aspectos da vida e da obra deste filósofo que são fundamentais para entendermos o fascínio que ele exerce na atualidade.


Café Filosófico (Exibido dia 29.03.2009).avi


Enviado em 23/04/2011
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